E a cachaça acordou!
Produto
genuíno brasileiro, relegado a terceiro plano na coquetelaria, perdendo espaço
até para outros destilados no preparo do drink que a eternizou, a caipirinha. A
marvada vendida em escala industrial, só suportada se aliada a outros
ingredientes, foi ao fundo do poço, mas voltou revigorada. Há pouco mais de dez
anos, gringos aportaram no Brasil e mostraram que ela pode ser muito mais do
que aquilo que os nossos até então desleixados grandes produtores entregavam no
balcão. Com a mitificação dos produtores artesanais interioranos, em especial
da região de Salinas (MG), percebeu-se que havia espaço para que a cachaça
ocupasse seu posto como produto premium, da básica à envelhecida. E assim a
revolução começou. O choque foi tão forte que os principais players se viram na
obrigação de reposicionar os seus produtos para salvar sua imagem. Enquanto isso,
os pequenos já ganham prêmios
internacionais. A cachaça acordou. Keep walking!
cachaça3Não
há dúvida de que foram os pequenos produtores os responsáveis por tirar a
cachaça do ostracismo e do descrédito. Há um bom tempo, eles vêm colecionando
prêmios, elevando a bebidaa um patamar de maior respeito. Sejam mais antigas ou
novas, o que as faz se diferenciar é a retidão dos métodos de processo, a
limpeza e a garantia das condições de bom envelhecimento. Além disso, a
manutenção dos métodos é fundamental para sua homogeneidade com o passar do
tempo. Ao contrário de muitos alambiques que foram incensados no passado, mas
não mantiveram seu padrão de qualidade, gerando a desconfiança do consumidor,
há aquelas cuja preocupação é produzir bem para vender sempre.
A
Ziegenhof, ou só Hof mesmo, é uma das grandes novidades do meio. Em 2010, o
alemão Martin Braunholz, empresário alemão do ramo da metalurgia, e apaixonado
pela bebida, começou a produzir licores, usando o álcool de cana como base.
Ao
preparar, sem grandes pretensões uma cachaça, foi incentivado a continuar sua
produção, o que o levou a investir numa microdestilaria na região de Serra
Negra. Já em 2014, sua cachaça descansada em carvalho americano, a Alma da
Serra (R$ 141,00) ganhou medalha de ouro no Concours Mondial de Bruxelles,
realizado no Brasil. Bidestilada e processada em alambique de cobre, tem pureza
e leveza que ganha complexidade ao passar pela madeira. Braunholz continuou a
produzir algumas delícias com base em cachaça, como o Licor Trigoni (R$
122,90), que leva grãos de café arábica, casca de laranja, passas e
especiarias, entre elas cardamomo. E também a Frigga (R$ 122,90), que leva café
e leite condensado.
A
Hof também tem a Alma da Serra nas versões carvalho europeu e sem passagem por
madeira, purinha. Neste caso, ela compra a cachaça de algum produtor vizinho e
a redestila – o que diminui o nível de cobre e de carbamato de etila. O segredo
está aí, na destilação perfeita e na observação e separação da parte do “coração”
da destilação, cerca de 80% do volume, que concentra o melhor do processo. Há
produtores que não fazem isso, juntam tudo, o que vai refletir num produtor
final de menos qualidade. Agora a Hof se prepara para um passo ainda mais
ousado. Há poucos meses, Martin adquiriu de um tanoeiro três barricas de
carvalho que acomodaram o whisky Jack Daniels – ela não fala o nome, diz que é
Tennessee Whiskey, por uma questão ética. E, no mês de novembro, colocou
cachaça neles para envelhecer.
O
produto ficará repousando até 2020, data que pretende coloca-la no mercado.
Claro, que ainda sem preço definido. Como qualquer bebida, a cachaça está
passando por um processo de premiumização. E, em caso de pequenas produções bem
cuidadas, o resultado, além de único, tem um preço elevado. Serão apenas mil
garrafas da cachaça envelhecida em barris de Jack Daniels. É um fetiche, ou não
é?
Na
mesma linha vem a Dom Tápparo, destilaria de São Jose do Rio Preto fundada em
1978, há tempos produz cachaças que são envelhecidas em barris de carvalho
franceses e americanos, assim como os tradicionalmente usados, umburana e
amendoim. Os preços dessas cachaças, no site, variam entre 16 e 78 reais. Mais
recentemente, no entanto, o engenho lançou a Cabaré Extra Premium, envelhecida
nada menos do que 15 anos. O nome é uma homenagem à dupla regional Leonardo e
Eduardo Costa, músicos que lançaram, em 2014, um disco chamado Cabaré, com
releituras de clássicos sertanejos. A cachaça não é uma releitura, mas segue a
tendência de premiumizar a bebida envelhecendo-a na mais nobres das madeiras.
Naturalmente, bebedores de whisky e brandies,que normalmente são envelhecidos
em carvalho, passaram a colecionar a bebida. Seu preço segue a tendencia: cerca
de 350 reais nas lojas e, atualmente, R$ 199,00 no site. Sua cor é de um
dourado pálido e no nariz é suave. Na boca, segue a suavidade, com notas
amendoadas. Para apreciadores de destilados mais conhecidos, ela deve agradar
bastante.
Na
outra ponta, bem mais poderosa, da produção, a Cachaça 51 se viu um maus
lençóis quando sua marca perdeu credibilidade em função da qualidade menor de
sua cachaça de linha. E deu, em novembro, um novo passo para o seu
fortalecimento de imagem. Como uma das líderes do mercado, a Cia. Muller de
Bebidas lançou o Projeto 51 Assinatura, que levou cinco bartenders, conhecidos
da boêmia de São Paulo, a preparar, cada um três drinks tendo o rótulo como
base. Na esteira do projeto, com curadoria de Cesar Adames, um vídeo veiculado
no Canal GNT, conhecido por sua veia gastronômica. Hoje, a 51 tem produtos
premium com preço na casa dos três dígitos, como a 51 Rara e a 51 Única, que
custam cerca de 107 reais no mercado. Sua cachaça regular custa perto dos 15
reais, e hoje ela produz também para o mercado internacional, porém, sem adição
de açúcar, como a brasileira. O resultado é um produto mais leve e mais
adequado à coquetelaria – e com mais qualidade também. A 51 exportação tenta se
aproximar da qualidade oferecida por cachaças como Leblon e Yaguara, que são
praticamente neutras, como vodca, para facilitar a assimilação dos mais
variados ingredientes. É um passo bem dado, a assunção do “mea culpa” que
deveria ser
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